CALENDÁRIOS - parte III 
Luiz Roque - professor, poeta e escritor  
Junho/1995

10. A comemoração do Natal (continuação - ver parte inicial)

Não há qualquer referência à realização de festividades pelos cristãos dos primeiros séculos, na data do nascimento de Cristo. Tudo indica que, pelo menos até o século IV, eles consideravam a data motivo de recolhimento, meditação e orações, ao contrário da euforia explosiva, característica das festas pagãs.

Ainda no ano de 245, o teólogo Orígenes repudiava a idéia de festejar-se o nascimento de Cristo "como se fosse um faraó". O Cristianismo só se torna a religião oficial do império (a princípio, oficiosa) com o édito da Tolerância de Constantino, em 313.

Mas talvez só no século seguinte é que o Natal tenha passado a ser comemorado de forma diferente, até chegar ao exagero gastronômico (e pouco cristão) dos natais de hoje.

11- A data

A data precisa do nascimento de Cristo é desconhecida. Até o século V, o Natal era comemorado em vários dias do ano, conforme a comunidade.

As datas mais aceitas eram 6 de janeiro (que hoje é a Epifania), 25 de março e 25 de dezembro.

Parece que o recenseamento citado no Evangelho e decretado pelo imperador Otávio Augusto teria sido efetuado em março. O dia 25 de dezembro aparece, pela primeira vez, numa passagem, provavelmente espúria, de Teófilo de Antióquia (cerca de 180). Depois, num comentário de Hipólito, em 202.

O primeiro calendário que registra 25 de dezembro é o de Philocalus, em 354. Afirma que, no "Ano I depois de Cristo, o Senhor Jesus Cristo nasceu em 25 de dezembro, uma sexta-feira".

Hoje, porém, se sabe que o 25 de dezembro do ano I, da maneira como se estabeleceu a Era Cristã, caiu numa segunda.

A data atual do Natal foi fixada definitivamente em 440, "a fim de cristianizar grandes festas pagãs realizadas nesse dia: a festa mitraica (religião persa, que rivalizava com o cristianismo, nos primeiros séculos), que celebrava o natalis invictis solis, (nascimento do vitorioso sol) e várias outras festividades decorrentes do solstício do inverno, como as saturnalia em Roma, e os cultos solares, entre os celtas e os germânicos" (citamos a Enciclopédia Barsa).

Efetivamente, as saturnais romanas se davam nessa época. Citemos o Dicionário Prático Ilustrado de Séguier:

"festas realizadas em Roma, todos os anos, em 16, 17 e 18 de dezembro. Eram estabelecidas em honra da igualdade que existia entre os homens no tempo em que Saturno, expulso do Céu por Júpiter, viera habitar o Lácio. Reinava, nessas festas, verdadeira licenciosidade. Os escravos vestiam a toga e fingiam mandar nos senhores. Tudo lhes era permitido. O Carnaval dos nossos tempos é um eco das Saturnais".

Observação:

Carnaval vem do italiano "Carnevale", isto é, período em que se pode comer carne. Foi sempre uma fase de descontração, que preparava o povo para o antigo rigor da Quaresma. Primitivamente, se estendia do Dia de Reis até a Quarta-feira de Cinzas, mas, atualmente, está restrito aos últimos quatro dias. É o "Entrudo" de Portugal ou do Brasil novecentista.

12 - O ano I

Nos primeiros séculos do cristianismo, os anos eram contados a partir da fundação mítica de Roma, por Rômulo e Remo, apesar de que alguns escritores tentaram estabelecer uma nova era.

Entretanto, quem iria empenhar-se seriamente nesse sentido seria o frade Dionísio Pequeno (Dionysius Exiguus), que nasceu no século V e morreu por volta de 540.

Dionísio era um importante tradutor de obras do grego para o latim e possuía grande prestígio dentro da Igreja. Ele lutou muito para que a contagem dos tempos deixasse de ser um prolongamento do paganismo e se iniciasse com o nascimento de Cristo como Ano I (pois se desconhecia o zero).

Finalmente, Dionísio conseguiu que, em 527, Justiniano, imperador de Constantinopla, adotasse tal origem para a Era Cristã.

Cabia, agora, ao erudito monge, estabelecer a data do nascimento de Cristo e ele a afixou no ano 754 (ou 753) da fundação de Roma. E assim, vêm sendo contados os tempos.

Ocorre que a origem determinada por Dionísio está errada: o Cristo nasceu no ano 749 da fundação de Roma. Consulte o leitor, como exemplo, a data da morte de Herodes, rei da Judéia, em qualquer enciclopédia, e encontrará o ano 04 antes de Cristo.

Ora, todos sabemos que Herodes era vivo quando Jesus nasceu: conforme o Novo Testamento, ele mandou matar todas as crianças com menos de 2 anos de idade. A falha é indiscutível.

Conclusão: há um erro de 4 ou talvez 5 anos na data do nascimento de Cristo. Então: tomando-se esse nascimento como origem da nossa era, estaríamos hoje no ano 2009 ou talvez 2010!   (Observação: este texto foi escrito em 1995)

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